quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Ironias do estilo de vida dos surfistas

Pois é, a Terra gira, as coisas mudam, e um dia nos reencontramos com antigas convicções.

Uma coisa que eu aprendi foi que a imagem dos surfistas oscila entre o alienado e o alternativo. Comecei a observar esta variação faz tempo, ainda adolescente cursando o ensino médio, quando um professor fez um exercício em sala de aula: devíamos eleger alguma atividade que gostássemos e em seguida fazer um debate criticando a escolha do colega. Finalmente tínhamos que escrever uma redação argumentando as criticas dos colegas e defendendo nossa escolha. Muito além de uma aula de redação, aquilo foi uma lição de vida, pois o professor nos ajudava a ponderar as críticas e assumir posições dentro de contextos. Na ocasião, tive de rebater o estereótipo de alienado, maconheiro, rebelde e vagabundo do surfista. Qual o significado dos nossos estereótipos?


Tela de Heather Brown



Não lembro se os argumentos de décadas atrás eram bons, mas nunca parei de escrever aquela redação. Recentemente, quando escutei o depoimento i] de Arduino Colassandi, um dos pioneiros do surfe no Brasil nos anos 50 e 60, novamente a luz se acendeu. As palavras de Arduíno são dignas de muito respeito, não somente pela idade, mas suas experiências de vida e como "homem do mar". Ele  afirmou que os surfistas da sua época já tinham a fama de vagabundos, mas isto não os afetava, pelo contrário, orgulhavam-se de ter dado a volta na sociedade. O depoimento do veterano é um tiro certeiro, que traz uma reflexão muito pertinente aos dias de hoje, pois o estigma vem mudando e passa ser referencia em estilo de vida. Saímos do alienado e voltamos ao alternativo.

Bem, talvez este grupo não pareça tão alternativo, pois o surfwear é um estilo consolidado, um mercado que gira entre os grandes da indústria da moda. Muito além, temos uma infinidade de produtos associados à imagem do surfe; são carros, acessórios, destinos de viagem, alimentos e tantos outros insumos voltados a um público simpatizante. Mesmo sendo difícil encontrar um número confiável dos praticantes do surfe, a ASP [ii] fala de aproximadamente 23 milhões de surfistas no mundo. Este número é muito expressivo em termos de mercado, levando-se em consideração que aproximadamente 10% dos consumidores de surfwear e outros artigos ligados ao esporte sejam surfistas de fato. Mas os praticantes fiéis do esporte, incluindo-se as muitas modalidades do surfe, aqueles com uma visão de mundo e que se dedicam a um estilo de vida próprio, são um grupo mais seletivo. Estes surfistas não se dão conta, mas hoje são considerados trend sellers pelo mercado, isto é, servem como referência para muitas pessoas que não praticam o esporte.

Parece que temos um fenômeno interessante, um número crescente de pessoas se identifica com os signos do nobre esporte havaiano.


Tanto as boas referências como os estereótipos do surfista têm a mesma origem, com significados diferentes. Esta é uma história que remete os primeiros contatos dos europeus nos arquipélagos polinésios, em especial, no Havaí. Aos olhos daqueles povos tribais, o trabalho é apenas um dos muitos elementos da existência humana, prestando-se a produzir precisamente os insumos necessários. Existia um valor muito especial no ócio, o tempo medido era pela luminosidade do dia, pela lua e pelas marés, e isto possibilitou aquele povo se expandir de forma saudável, com muita contemplação a natureza, dedicação à vida comunitária e celebração à vida. 


A visão de mundo daqueles surfistas ancestrais não parece o oposto da vida frenética dos nossos tempos? Na era dos relacionamentos virtuais, da falta de tempo e das cidades inviáveis, os valores tribais passam a ser muito admirados. Mas também, provavelmente desta mesma visão de mundo vem à fama de vagabundo e maconheiros (este ultimo também possui estigmas muito questionáveis). 


Hoje sabemos que o surfe ocupava uma posição de destaque naquela cultura ancestral, relacionando-se com a pesca, as fases do mar, festividades, lazer, política e outras facetas da vida. Mas para os nossos antepassados ocidentais, aquilo tudo era uma pouca vergonha, primitiva, coisa de moleques alienados. Aliás, o surfe representava tudo o que os colonizadores protestantes achavam uma afronta, como a sexualidade livre dos nativos, a mania de usar pouca roupa, as cantigas e tudo o que vinha da cultura pagã. Logo, o surfe se tornou sinônimo de rebeldia, insolência e libertinagem.

O comportamento dos surfistas continuou colocando na balança o mainstream da vida moderna e os antigos valores de uma vida simples durante todo o século XX. Por mais que o mercado massifique a imagem do esporte, o contato com o mar e as raízes ancestrais dão uma percepção diferente ao cotidiano. Ironicamente, hoje vivemos uma alienação política generalizada, enquanto os surfistas se tornam referencia de comportamento. O diferencial deste grupo são opiniões pautadas em um estilo de vida que é, de fato, uma alternativa flexível, resiliente. Mesmo que os surfistas sejam apáticos politicamente e não levantem bandeiras, este é um grupo com uma visão de mundo diferenciada, que toca diversos temas, como o desenvolvimento urbano, questões ambientais, posições quanto a descriminalização das drogas e tantos outros.

Como disse o velho lobo do mar, sempre buscando dar a volta na sociedade, o estilo de vida dos surfistas é uma simbiose entre o novo e o ancestral.



[i] Depoimento tirado do programa “70 e tal”, do Canal OFF. Acesso: http://canaloff.globo.com/programas/70-e-tal/videos/2852290.html
[ii] (ASP) International Surf Association. Acesso em: www.isasurf.org

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

De repente, não mais que de repente em Dogtown


Stacy Peralta fotografado por Glen E. Friedman nos anos 70.

De repente das areias fez-se asfalto
Maresia e vento brando o gás carbônico
E das marés fez-se o transito
E das ondas oceânicas fez-se declives

De repente da quilha fez-se a roda
Que da alegria se fez de novo
E da emoção vento no rosto
E do vertical o que era sal

De repente não mais que de repente
Fez-se urbano o esporte mítico
E o substituto se fez autentico

Fez-se próximo o mar saudoso
Fez-se a cidade um mundo lúdico

Quando o surf concebe o skate
E longe da praia nasce o street
De repente não mais que de repente




OBS: minhas palavras livremente inspiradas no Soneto da Separação do Vinícios de Morares. 


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Manifesto pelas garotas do surf

Imagem: Tyler Warren

Nem tudo no universo do surfe é um mar azul ou expressão da liberdade, existe também um lado obscuro, com ambições capitais e conservadorismo machista. Neste sentido, quero levantar a bandeira das mulheres no surf e os percalços do machismo dentro e fora d’água. Pois vamos aos pontos: 


1. Equilíbrio _ Segura esta: em Genesis, livro sagrado Hebraico e Cristão, Deus descreve a vida como a união entre macho e fêmea, nada diferente das crenças orientais do Yin & Yang que falam de equilíbrio e complementariedade. Mas não estou aqui para falar de religião, muito menos de baboseiras insultem a opção sexual das pessoas. O fato é que o ambiente excessivamente masculino traz desequilíbrios dentro e fora da água, visíveis em muitos pontos que vou falar em seguida.

Photo: Jim Russi
2. Muito além do sexo _ O mainstream do surfe não entendeu nada do que ensinaram os inventores deste esporte. Tudo fica muito evidente no marketing que vem sensualizando as atletas do surf profissional feminino. Vale notar que existe uma associação entre surf e sensualidade muito mais antiga do que se imagina, sem maldade ou questão de gênero, parte reminiscente da cultura tribal, libertária, dos tempos em que homens e mulheres agiam conforme suas vontades, mediados pelas tradições e mitos polinésios[1]. Nesta visão essencial do surfe, mulher e homem são autônomos, a sensualidade é apenas um dos muitos aspectos de ambos os sexos. No entanto, hoje a mulher ainda é encarada, na praia ou no mar, como parte da paisagem, pouco valorizada pelo o que pensa ou faz, relegadas ao consumo masculino, complementar ao surfe. Quando surfistas profissionais precisam surfar muito e ainda serem modelos de beleza, me pergunto: what’a hell? Convenhamos, já temos provas muito mais que suficientes de que as mulheres são tão boas quanto (ou melhores que) qualquer homem. Tita Tavares, Maya Gabeira, Linda Benson, Lisa Andersen, Jody Coopers, Stephany Gilmore, Clarissa Moore e tantas outras vem mostrando há séculos que elas são lindas, inspiradoras, mas principalmente talentosas, calando a boca de qualquer machista de plantão, de formas que só elas sabem fazer.

3. Consumidoras e não produto de consumo _ As revistas de surfe cometem esta gafe histórica, demonstrando como este é um mundo voltado aos homens. Mulheres não são incluídas nas pautas como atletas e nem são respeitadas como consumidoras, ao invés disto são relegadas às sessões dedicadas às beldades da praia, em biquininhos e ângulos que só nós homens apreciamos. Que as mulheres são lindíssimas e adoramos contempla-las: computado, mas convenhamos, o mercado dominado por homens não está nem aí para o que elas pensam, gostam ou querem. As garotas deveriam no mínimo ser respeitadas como consumidoras. Meus amigos, caso queiram satisfazer uma mulher, parem de falar de si e experimente ouvi-las!

Photo: Grant
4. Evolução do esporte e novos rumos _ Voltamos para a água. As manobras do surfe tem tido evoluções em precedentes, muito devido à melhoria dos equipamentos, mas principalmente a criatividade e preparo dos surfistas. Batidas, rasgadas, aéreos cada vez mais altos, tubos intermináveis e ondas gigantescas, muita coragem, ousadia, força e testosterona. O surfe contemporâneo é fantástico, mas para onde vamos? Qual a próxima fronteira? Arte, estilo, leveza, sensibilidade, inteligência, enfim, o olhar feminino ao esporte não compete com o masculino, mas completa e melhora. As mulheres são cobradas por surfar como homens, mas precisam de autonomia. Lembrem-se, surf não é só força, mas dança, balanço, ritmo e improvisação.


5. Respeito mútuo e o espírito aloha _ Como me cansa o crowd e a falta de respeito! Seja entre surfistas de pranchinhas, ou body board, longboard, Stand Up ou kite surf, o desrespeito as normas de convivência do esporte são constantes, principalmente no Brasil ou em mares com grupos de brasileiros. Ondas existem em quantidade interminável, são presentes de Netuno sem dono, mas todo mundo quer pegar mais ondas que o resto, nós parecemos àquela criança mimada que rouba a tigela de pipoca na festinha para não dividir com os colegas. Quando estou no mar, as ondas disputando no grito e penso: gostaria que a mãe deste moleque tivesse aqui. Sim, uma senhorina, sentada num pranchão faz muita falta! Alguém tem que ensinar respeito, acalmar a ansiedade, equilibrar a testosterona. A presença feminina pode ser a resposta da nossa avareza, o complemento à coragem e força masculina, o espírito aloha havaiano, de compaixão e camaradagem camaradagem.


GIRLS POWER!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

As mulheres surfistas são insurgentes, para os machos de plantão podem funcionar como uma verdadeira praga dos antigos polinésios, questionando nossa visão deturpada, de soberanos, donos das ondas, do mercado, dos lugares. Garotas, por favor, tomem seu espaço no mar, devolvam-nos a harmonia que tomamos da natureza, derrubem este império de machos mimados que criamos, em parte, para impressioná-las. 



[1] Esta visão da cultura nativa polinésia é muito semelhante a dos portugueses e espanhóis que colonizaram as Américas Central e do Sul, caso tenham curiosidade, sugiro pesquisarem o livro do Sergio Buarque de Holanda: “Visões do Paraíso”.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

DESIGN E CULTURA BEIRA-MAR: Stand Up Paddle (SUP), e a reconciliação com as canoas milenares.



Caminhar sobre as águas não é tão só história bíblica, mas um arquétipo humano; o desejo íntimo de conquistar territórios insólitos das águas. Não por menos, o Stand Up Paddle (ou SUP) tem se tornado uma febre mundo afora nos últimos anos, seja entre surfistas e não surfistas.



Gerry Lopez surfando de SUP, na Indonésia. 


Em todos os cantos do globo, em áreas costeiras, rios e lagos, encontram-se vestígios de canoas e outras embarcações simples, usadas para transporte, travessias, pesca, explorações, guerras, aventuras ou lazer. Equilibrar-se em um tronco cavado, tábua de madeira, vime, ou coisa flutuante e remar: aí está a síntese de toda navegação. Conduzir uma canoa ou prancha foi uma atividade engenhosa que possibilitou a humanidade expandir territórios e habitar todos os cantos do planeta. O SUP traz de volta nossa relação com as embarcações mais simples, devolvendo uma antiga sensação de liberdade e conexão com o ambiente e a natureza.



Sem dúvida existiram inúmeras culturas profundamente ligadas à navegação em canoas, mas os povos polinésios possuem uma tradição muito significativa neste sentido e, não por menos, o esporte que conhecemos por SUP nasceu no Havaí. Para os antigos havaianos, o ato de deslizar sobre as águas era cheio de significados, sociais e espirituais, tratados com solenidade no que eles chamavam de Ku Hoe He’e Nalu, algo como: “remar, levantar-se e deslizar sobre as ondas”. Segundo relatos, o próprio Duke Kahanamoku e outros beach boys (o equivalente havaiano aos nossos caiçaras), que disseminaram o surfe mundo afora no comecinho do Século XX, podiam sair remando em suas pranchas com as próprias mãos ou com auxílio de remos. Sendo assim, a própria origem do surfe esta relacionada às canoas e ao SUP.
Local: Papua Nova Guine, Photo Sergei Uriadnikov, Site 1234RF.com. 
Na década de 1940, o norte americano erradicado no Havaí, John Zapotocky, incentivado pelos beach boys de Waikiki passou a navegar e surfar com auxílio de remos durante a década de 1940 e, mesmo com a popularização do surf em pranchões e pranchinhas, manteve-se fiel ao paddle. Hoje Zapotocky, um ancião com mais de 90 anos é conhecido como o “pai do SUP moderno”. No entanto, já é reconhecido o pioneirismo de dois brasileiros, Osmar Goncalves e Joao Roberto Hafers, os primeiros surfistas brasileiros. Segundo registros fotográficos e relatos de conhecidos, estes amigos construíram hollowboards (prancha oca de madeira) na década de 1930 e passara a remar com auxílio de remos e surfar no litoral de Santos (SP), antes mesmo que o pai do SUP.
Osmar Gonçalves, Santos, SP, década de 1930.
O surgimento do SUP como esporte popular, tanto para pegar ondas, como para a pratica de corridas, travessias, passeios e lazer, inicia-se na década de 1990 com surfistas havaianos. Nomes como Brian Keaulana, Rick Thomas, Archie Kalepa e Laird Hamilton desenvolveram pranchas e equipamentos, aumentando as possibilidades do esporte. Laird Hamilton teve um papel importante, disseminando o SUP como alternativa para descer ondas grandes, trazendo muitos veteranos ao esporte, como Mr. Pipeline, Gerry Lopez. Após o ano 2000, depois se serem levadas para Califórnia e se tornarem febre, as pranchas evoluíram para modelos especiais, seja a pratica do surfe, de corrida ou travessias, com funções específicas para cada uso.
Laird Hamilton. Photo Tim McKenna.
As pranchas para travessia ou corrida possuem um desenho com hidrodinâmica semelhante ao casco dos veleiros para evitar o arrasto, a influência das ondas e aproveitar força das correntes. Por isso, estes shapes costumam ser maiores, normalmente com uma única quilha, menos rocker (inclinação do bico e da rabeta), outline estreito, fundo curvo na parte da frente e uma espécie de quebra-mar no bico, mesmo princípio que vemos em algumas canoas caiçara. Já o shape dos SUP para surfe pode variar bastante, mas segue os mesmos princípios das pranchas ou dos longboards, com a diferença de serem maiores e com maior espessura, para ter a flutuação necessária. Os remos também possuem especificações segundo funções.


Equilibrar-se em uma prancha, acima da superfície da água, exige que corpo esteja rijo e junto com a prancha sigam o ritmo das ondas, agindo de forma conexa. O fato de se manter em pé também possibilita ver além da linha do horizonte, trazendo uma vantagem em relação aos surfistas deitados na prancha, fora a vantagem dos remos para se locomover. Por isto, aos poucos, vêm sendo debatidas boas condutas do SUP nas ondas.

Trindade-RJ, Década de 70. Foto Fausto Pires de Campos.
De qualquer forma, o Stand Up Paddle proporciona um exercício físico completo, equilíbrio, conexão com a natureza, contemplação, meio de transporte e lazer para qualquer idade. Nada que um caiçara, índio ou pescador não soubessem há muito tempo!
(para ver uma entrevista com John Zapotocky, o velhinho remador, acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=aeKOenwJWHo)

domingo, 15 de setembro de 2013

DESIGN E CULTURA BEIRA-MAR: Gun, a lendária prancha de ondas grandes.

Publicado em: Almasurf, Surfari ,

As pranchas tipo Gun podem ser consideradas a peça mais mítica do quiver de pranchas do surf. E não por menos: são as pranchas para quem deseja surfar as maiores ondas dos 7 mares, desafiando (no braço) as piores iras de Netuno. 
Havaí, onde nasceram as Guns. Photo: Leroy Grannis, 1969.


Este modelo surgiu nos anos 50, quando surfistas nativos do Havaí ou vindos da Califórnia, como George Downing, Eddie Aikau, Greg Noll e Miki Dora, começaram a descer ondas consideravelmente grandes e fortes. O nome “gun” vem da expressão “caçadores de ondas grandes”, logo, estas pranchas são a “arma” ideal para a caçada. Para surfar as ondas de Waimea Bay que quebravam acima dos 20 pés, rápidas e violentas, as pranchas seguiram uma evolução sem paralelo, devido as condições que pediam um equipamento específico para manter o controle em alta velocidade. Talvez por isto que as Guns tenham adquirido o aspecto de carro de corrida, ou de um avião ultrassônico. 
Photo: Jeff Divine, década de 1970.



As características do shape Gun é uma prancha grande (normalmente acima dos 8 pés), com bastante flutuação, templete arredondado e fino, com um desenho semelhante a um míssil, e uma rabeta (pin tail) tão fina quanto o bico. Curiosamente, estas características não servem para obter velocidade, quem faz isso é a onda; a prancha se presta a manter o controle da prancha em uma situação extrema!
Photo: Jeff Divine, década de 1980.



As Guns nasceram do intuito de surfar grandes swells sem ser tragado pela espuma da onda ou desgarrar na parede íngreme do desfiladeiro de água, quebrando na bancada logo abaixo. Um dos principais responsáveis por este shape foi o havaiano George Downing, um dos pioneiros a surfar ondas grandes no arquipélago, desbravador das ondas de North Shore e Maui, junto a outros surfistas da época. 



Kohl Christensen, 2012. Photo: surfline.com

Downing viajou para Califórnia nos anos 50 e descobriu as pranchas feitas com poliuretano e fibra de vidro, desenvolvidas por Bob Simmons e seus camaradas. Ao levar a novidade para o Havaí, aperfeiçoou o shape, unindo rabetas tipo pin tail, silhuetas que encaixavam melhor a prancha nas curvas das ondas, e outras inovações.

O interessante é que para conseguir o conjunto de medidas ideais visto nas pranchas Gun, Downing e os shapers da sua geração usaram princípios que remetem às ancestrais Olo, mas com um desenho moderno e hidrodinâmico! Olo eram as pranchas usadas exclusivamente por reis havaianos até aproximadamente o século XVIII, quando pegar boas ondas tinha um significado espiritual e político.  

George Downing e as pranchas Gun em evolução.


Certamente, a prancha Gun é uma peça representativa do design moderno do século XX, e ainda respeita os modelos ancestrais do surf. Sejam pelos princípios hidrodinâmicos universais ou arquétipos próprios do surf, estas pranchas merecem todo o respeito.




Vídeo "Super Natural" da Powerlines Productions, mostra as Guns em ação em Maverick, EUA. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

DESIGN & CULTURA BEIRA-MAR: Minisimmons, o elo entre antigos polinésios e a vanguarda do século XX.

Texto Madeira & Água publicado em: Almasurf 
 
Prancha Minisimmons em ação. Foto do site Hidrodinâmica

As Minisimmons são a releitura de um modelo histórico desenvolvido nos anos 50 por Bob Simmons, um dos mais inovadores shapers da história do surf. O novo modelo veio à tona em 2006, em um resgate do trabalho deste surfista, digno de ser colocado no hall da fama dos designers do século XX.
Estas pranchas costumam ser bem pequenas (5’3 pés em média) e proporcionalmente mais largas que o convencional (boa flutuação), com o bico redondo (permitindo posicionar-se mais à frente), duas quilhas largas (maior área = estabilidade) e com menos profundidade (maior velocidade). Estas características fazem da minisimmons uma prancha divertidíssima, muito rápida e manobrável, proporcionando um tipo de surf bem solto, aproveitando toda a superfície da onda.


O vídeo Hydrodynamic Planing Hulls mostra um pouco desta prancha, inspirada em um modelo emblemático dos anos 50, uma releitura muito bem sucedida.


Hydrodynamic Planing Hulls from Hydrodynamica on Vimeo.

As Minisimmons unem os conhecimentos mais avançados de hidrodinâmica consolidados até meados do século XX aos conceitos clássicos das pranchas de paipo e alaia, desenvolvidas pelos povos polinésios ao longo de centenas de anos. Isto porque Bob Simmons começou a surfar na década de 1940 com pranchas feitas de madeira maciça e pequenos estabilizadores (o ancestral das quilhas), mas em um período de muitas descobertas tecnológicas, maior parte delas impulsionadas pela Segunda Guerra Mundial.

Prancha Simmons em ação, 1953. Foto: W.Hoffman.


Simmons é descrito como um obsessivo pesquisador e um grande inovador do esporte, estudando assuntos como ondulações, swells, hidrodinâmica, novos materiais e técnicas, assim como outros assuntos relacionados ao surf. Nos anos 50, deparou-se com o manual recém-publicado por um engenheiro naval contendo os resultados de estudos feitos para a marinha norte-americana (“The Naval Architecture of Planing Hulls”, 1946). Neste trabalho, havia muitos testes sobre a hidrodinâmica do casco de barcos, com informações riquíssimas para um surfista e shaper dedicado como Simmons.
Primeiramente, Bob misturou materiais mais leves, como madeira balsa, compensado naval e espuma de polímero (foam), construindo uma prancha híbrida, meio termo entre as antigas pranchas de madeira e as contemporâneas de poliuretano. Devido a maior flutuação do isopor e da balsa, ele pode fazer uma prancha menor que a média da época (ainda sim com 9 pés), chegando ao peso de pouco mais de 4 quilos, quase nada se comparado as pranchas de madeira, que raramente pesavam menos de 15 quilos. Para selar o frágil material da água salgada, deu um banho de resina. Tudo mudou a partir destas inovações.



Releitura do modelo original, minisimmons de madeira.  

Replica do modelo original de Bob Simmons.
Crédito Hidrodinâmica

Quanto ao design, Simmons aprimorou as quilhas, dando formatos mais arredondados e com profundidade moderada, permitindo maior controle e ainda obter velocidade. Livremente inspirado no manual de hidrodinâmica, fez um teste muito bem sucedido com duas quilhas, e conseguiu maior dirigibilidade. O shape (templete) ainda respeitava o modelo das pranchas havaianas, mas com linhas e bordas melhoradas.
Enfim, Simmons revolucionou as pranchas e o surf, inaugurando um período em que surfistas começaram a explorar ondas maiores que os 8 pés. Ele mesmo morreu surfando um swell dos grandes na Califórnia. Infelizmente, Bob inventou muita coisa, mas não a cordinha (lash) que o prendesse a prancha, morrendo afogado nas ondas de Windasea em 1954.

Em seguida, outro vídeo da Hydrodynamic Planing Hulls mostra uma sessão de surf, desta vez em um modelo de prancha fiel ao shape de Simmons da década de 1950.






Percebam que a prancha original dos anos 50 possibilitava fazer curvas com certo controle, mas dava pouca estabilidade (drive), o que favoreceu posteriormente as grandes quilhas que viriam se tornar populares nos pranchões da década de 60. Este problema foi certamente resolvido nas Minisimmons, graças aos avanços no design das pranchas do século XXI.
Para mais informações sobre estas pranchas acesse:
http://www.minisimmonssurfboards.com/ e http://surfboardsbyhydrodynamica.com 


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

DESIGN E CULTURA BEIRA-MAR: hollowboards, a embarcação que virou surfboard

As Hollowboards são pranchas de surf ocas, feitas em madeira com a mesma técnica de construção de cascos de barcos ou da asa de aviões. Pode parecer estranho, mas há quase 90 anos era a mais alta tecnologia em pranchas de surf. Como tudo o que é verdadeiramente bom, esta pranchas voltaram com novos desenhos e técnicas, contrapondo-se a evolução tecnológica das pranchas de surf atuais. Estas pranchas são mais pesadas e valorizam o surf de linhas clássicas, além do trabalho artesanal do shaper-marceneiro e a beleza natural da madeira.
Foto: Henrique Menezes. Pranchas Siebert Woodcraft Surfboards.

O surf com pranchas de madeira como as hollows é uma experiência diferente, mas muito boa. As pranchas de madeira não costumam ter a alta performance que encontramos em pranchas “de petróleo” (poliuretano ou derivados), mas são embarcações com muita dirigibilidade que dão uma sensação diferente, a madeira deslizando na água é igual faca na manteiga. O interessante é que cada madeira tem uma densidade e um comportamento, fazendo dessas pranchas uma peça exclusiva que, com os devidos cuidados duram muito tempo. Como dizem os especialistas no assunto, a madeira é algo vivo e com manutenção correta pode durar séculos!


O vídeo da  Burnett Wood Surfboards mostra uma sessão de surf com dois modelos distintos das modernas hollows, deslizando nas ondas com faca na manteiga derretida.

 Os norte-americanos foram responsáveis por salvar o surf do esquecimento, no início do século XX, depois de uma rigorosa colonização dos ingleses e a catequização dos nativos havaianos, o esporte caiu em desuso no arquipélago. No entanto, também descaracterizaram algumas coisas próprias do surf havaiano, transformando uma atividade de lazer e contemplação em algo competitivo e de alta performance. Nos anos 30, o surf ainda era um esporte excêntrico,  mas ficava popular com a organização de clubes, campeonatos de remada a longa distancia, corridas e demonstrações publicas do surf nas ondas de Waikiki, Malibu e outras praias da Austrália e Europa.  As pranchas ainda eram as ancestrais Alaias, feitas de madeira maciça, chegando a pesar mais de 80kg dependendo do tamanho e da madeira.



Nos anos 30, um jovem salva-vidas californiano e atleta olímpico de natação, Tom Blake se interessou pelo esporte e passou a praticas o surf. Logo percebeu que a prancha de madeira maciça era muito pesada, mas principalmente, não tinha flutuação suficiente, tornando-a ainda mais pesada na água. Inspirado na estrutura da asa de um avião e técnicas simples de construção naval, criou um ou craftwooden surfboards, isto é, uma espécie de casco de barco  de surfar. Mudou-se para o Havaí e se tornou uma das maiores personalidade do surf no século XX. Blake continuou seus experimentos, aperfeiçoando as pranchas, sendo considerado um dos pioneiros no uso de quilhas em suas hollow boards.

 Na década de 1940 estas pranchas eram muito utilizadas, sendo adotadas como equipamento oficial do corpo de salva-vidas da Austrália. Mas o avanço tecnológico do século XX foi implacável, e as novas pranchas feitas com derivados de petróleo fizeram com que as hollows entrassem em extinção. Nos anos de 1990, enquanto o surf evoluía incessantemente observou-se uma retomada do interesse por modelos antigos e formas alternativas de surfar, surgindo espontaneamente uma comunidade de shapers-marceneiros pulverizados pelo mundo.



Hoje o surf em pranchas de madeira ainda é raro, assim como encontra-las à venda. O custo também é maior, pois levam muito mais tempo para serem feitas, envolvendo riscos no projeto. Existem fabricantes destas pranchas no Brasil, como o pessoal da Siebert Woodcraft, em Santa Catarina e A Flora em São Paulo. No entanto, outra experiência interessante para os mais bem equipados é construir uma prancha por conta própria, havendo centenas de vídeos tutoriais na internet. 
Um blog muito conhecido onde esta comunidade de shapers-marceneiros postam seus projetos e fotos das pranchas em ação é o  blog:
http://woodensurfboards.blogspot.com.br/

Outros endereços interessantes:

David Weber Surfboards
http://davidweber.com.br
A Flora
Siebert Woodcraft
Paul Jensen
Videos Tutoriais
http://www.youtube.com/watch?v=i-deo9CyrM0